quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mais de 100 mil pessoas vão às ruas do Centro do Rio protestar contra o aumento da passagem de ônibus

Há um mês, o Rio de Janeiro viveu um dia histórico com milhares de pessoas que se concentraram inicialmente na Candelária e depois saíram em passeata pela Avenida Rio Branco em direção à Cinelândia. Hoje, como em poucas vezes, encho o peito pra dizer: Que orgulho de ser carioca! Que orgulho de ser brasileiro! Parabéns, cidade leal e heroica de São Sebastião por esse momento emblemático! Leal, pelos princípios que construíram essa cidade, aos valores que uniram este povo em torno de um ambiente coletivo e urbano que é motivo de alegria e orgulho pra todos nós. 


O Rio fez uma manifestação que se impôs pela coragem. O protesto foi pacífico porque a polícia foi pacífica, o Estado percebeu que não podia enfrentar porque pacífica ela sempre foi. A essência, a natureza, o propósito e o desejo dos manifestantes sempre foi esse. Houve um desequilíbrio aqui ou alí, pontualmente, como a depredação da Alerj e lojas saqueadas. Mas a essência, a espinha dorsal do que aconteceu no dia 17/06, estava na Av. Rio Branco, estava Cinelândia, estava na Candelária e estava na paz com que transcorreu essa manifestação para exigir RESPEITO. Basicamente e essencialmente RESPEITO. Um grupo grande e significativo que se mobilizou em prol da redução do preço das passagens de ônibus. 

Segundo um ex-funcionário do setor de transportes, as frotas de ônibus possuem planilhas que são verdadeiras caixas-pretas apresentadas como justificativas para a reivindicação de reajustes que são aceitos, historicamente, pelo poder público através do forte lobby que essas empresas têm junto às Câmaras de Vereadores. Lobbys mantidos por relações marcadas pela promiscuidade, pelo dinheiro, pelas doações de campanha, pelos subornos, pela grana por fora, pelas malas de dinheiro etc.

Várias coisas nessas planilhas são absolutamente derrubáveis. A reposição de peças, por exemplo, os empresários lançam custos de novas peças, quando fazem na verdade, apenas o recondicionamento e a revitalização das mesmas. Logo, este aumento no preço das passagens não se justifica porque o governo promoveu também a desoneração de impostos federais e uma série de vantagens concedidas às empresas de ônibus. Então, essa caixa-preta tem que ser aberta, a população não conhece em que bases são concedidos esses aumentos. Os empresários ficam com esse papo de inflação, mas o setor de transportes não viveu a inflação na mesma intensidade.

Cerca de 100 mil manifestantes ocuparam toda a extensão da Av. Rio Branco

Não foi apenas por 20 centavos. A manifestação foi um sentimento geral de se querer RESPEITO, embora a reivindicação de um grupo fosse, predominantemente, a redução das tarifas. Esse foi um movimento embrião de tudo que vivemos no Brasil. Essa demanda por RESPEITO e por mudança de postura dos governantes, fez com que o Rio mostrasse esse exemplo de mobilização de massa.

Pobre país este em que o povo não protesta, em que as multidões só se reúnem pra cantar em shows, pro futebol, pra rezar em eventos, pra reivindicar direitos específicos como a Marcha da Maconha etc. De fato é uma vitória, mas é coisa de um segmento, de um grupo. Ainda que seja defensável, não é uma reivindicação geral, no sentido geral.

Mas no dia 17/06, esse povo todo da bíblia, do futebol e das reivindicações de grupo foi pra rua. Eles perceberam que há um sentimento em comum que une todos como povo e como sociedade. O sentimento de dizer aos governantes, ao Estado e à máquina pública que nós não queremos mais essa relação, esse tratamento desrespeitoso e essa afronta com que nos tratam o tempo todo nos hospitais, nas escolas, na falta de segurança, na corrupção etc. Bandeiras que foram colocadas no coração de todos os brasileiros. O Rio captou, sintetizou e expressou em um grito único.

Os ataques à Alerj (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) foram lamentáveis no sentido de que não levará a nada esse tipo de ação. Mas quero deixar bem claro que entendo a razão dos ataques. A Alerj, assim como as casas parlamentares no Brasil, são a expressão de tudo que a população brasileira odeia. O que ela faz, a maneira como age, a maneira como se relaciona com a sociedade, a prepotência, a corrupção etc. Tudo isso está expresso naquele prédio. O que se atacou e se "vandalizou" foi o que a Alerj simboliza.

Manifestantes tentam invadir a Alerj

A radicalização dos movimentos populares é um ATO POLÍTICO, você pode ser a favor ou contra, mas ela é POLÍTICA. A Revolução Francesa se deu pela radicalização do movimento popular francês. A Revolução Soviética se deu pela radicalização do movimento popular soviético. A Revolução Cubana se deu pela radicalização do movimento popular cubano. Então, a radicalização dos movimentos populares é POLÍTICA, embora não estejamos num processo revolucionário. O que há aqui são manifestações pro cara não passar a mão na sua bunda, pra não roubar na sua cara, pro Renan Calheiros não escancarar a picaretagem dele e continuar sendo senador, pro Collor não voltar pra política. Entendeu?

O que está se pedindo aqui não é a mudança de regime e nem a queda do governo. O que está se dizendo ao governante, ao político e ao agente público é que ele ATUE MAIS, RESPEITE MAIS, ROUBE MENOS, PRODUZA MAIS e GANHE MENOS no sentido de acumular riqueza. Como é que pode, figuras que passaram a vida inteira na área pública serem milionários. Tem político que acumulou um patrimônio impressionante "trabalhando" a vida inteira na área pública. Como é que pode? Então, o que está se pedindo nas ruas do Brasil é RESPEITO. O povo cansou de ser desrespeitado, cansou de ser afrontado, cansou de ser violentado pela conduta dos governantes, dos políticos e dos agentes públicos de uma maneira geral.

A Alerj representa a política que está aí. A depredação é o que resta as pessoas pra que os políticos às ouçam. Mas essa gente é tão canalha, esses políticos são tão canalhas que são capazes de fazer de conta que não são com eles. Um exemplo disso aconteceu no dia seguinte aos protestos quando o presidente da Alerj, Paulo Melo, foi dar uma entrevista na porta da assembléia e bateu em retirada quando viu que a população estava começando a vaiar. 

Compreendo as razões que levaram alguns manifestantes a fazer o que fizeram na Alerj. Lamento profundamente que alguns marginais tenham se aproveitado desse momento para saquiar lojas e destruir negócios de outros trabalhadores.

Cerca de 100 mil manifestantes ocuparam toda a extensão da Av. Rio Branco

Um movimento sem rosto, sem líder e sem pauta específica. Mas unido por um sentimento, por um estado de espírito. Isso me parece até mais importante do que ter uma causa específica. Com todo respeito ao movimento dos caras-pintadas que deram início à remoção de toda quadrilha do Collor da Presidência da República. Mas os caras-pintadas integraram um movimento histórico de forças que caminhava na mesma direção. Todos queriam a queda do Collor.

A imprensa queria a queda do Collor. Os partidos queriam a queda do Collor. Grandes grupos políticos comprometidos com a corrupção também queriam a queda do Collor. Antônio Carlos Magalhães (ACM) queria a queda do Collor. Sarney queria a queda do Collor. A bandidagem política que não estava no esquemão do Collor também queria. Então, eu diria que o movimento dos caras-pintadas deu uma legitimidade de rua a um momento histórico que inevitavelmente aconteceria, mas que aconteceu num mesmo curso, na mesma direção de forças políticas.

Este movimento do dia 17/06/2013, não me parece tanto com o movimento dos caras-pintadas. Ele me pareceu mais com as manifestações de massa da Ditadura Militar, porque nestas manifestações  as pessoas tomaram porrada da polícia, foram reprimidas, foram tratadas de forma abominável pela grande imprensa como a Folha de S. Paulo, o Estadão, O Globo , a Veja etc. No começo chamavam os manifestantes de vândalos. A imprensa estava trabalhando na linha da criminalização do movimento, até o momento em que alguns repórteres foram atingidos por balas de borracha disparadas pela polícia. Depois disso, a cobertura dos fatos mudou. 

Enfim, essa manifestação de massa foi o ápice de uma sequência de pequenos protestos que começaram muito mais semelhante às manifestações realizadas pela juventude da Ditadura Militar, e que eram duramente reprimidas e criminalizadas pela imprensa. É notória a semelhança desse corte histórico. Vimos no dia 17/06, o que não víamos desde a Ditadura Militar, do ponto de vista do protesto de massa e de reação de massa. Hoje você tem mais que um nome, um lema ou uma palavra de ordem. Você tem um sentimento único, e esse sentimento é o RESPEITO. O recado das ruas aos políticos foi o seguinte: - Pare de passar a mão na minha bunda! Pare de cuspir na minha cara e achar que sou otário! Pare de pegar o meu imposto e fazer o que bem estende! 

Rio leva 100 mil pessoas às ruas

Se esses políticos canalhas perceberem que esse negócio de votar a cada 4 anos para mantê-los lá na ROUBALHEIRA e na SACANAGEM, não engana mais a gente. Se eles perceberem que esse é um povo que se aproximou um pouco do chileno, do argentino, do espanhol e do francês o negócio vai mudar. O povo na rua faz a realidade nua. Quando tivermos essa identidade de propósitos, vamos ocupar as ruas. Não o tempo todo e a vida inteira por qualquer coisa, porque nós precisamos que as cidades vivam e funcionem. O que muda a realidade é o povo roncando com bafo quente no cangote da CANALHA POLÍTICA, da CANALHA GOVERNAMENTAL. No cangote do Estado e de seus agentes, da repartição pública que não atende, não respeita e atrasa. Da justiça que não funciona, das suas Excelências com suas togas e seus carros oficiais. 

Essa gente tem que sentir esse BAFO NO CANGOTE do povo mais vezes para aprender a nos respeitar. Espero que esse movimento conquiste isso.