sexta-feira, 25 de julho de 2014

Homem morre em frente a hospital público em greve em Laranjeiras

Vítima sofreu infarto dentro de ônibus, na porta do Instituto Nacional de Cardiologia. Aparentando cerca de 60 anos, ele agonizou por cerca de uma hora diante da unidade federal de saúde. Nesse tempo, contaram testemunhas, passageiros buscaram socorro no hospital, mas nenhum médico do instituto o atendeu. Segundo funcionários do hospital, havia médicos de plantão. De acordo com um deles, na unidade coronariana, por exemplo, eram pelo menos três plantonistas. (O Globo)

Imagem: Reprodução / O Globo

— Médico pode fazer greve? Sim, pode fazer greve. Médico tem direito de fazer greve? Tem, como qualquer outro trabalhador. A greve é justa? Sim, é justa. As reivindicações são justas? São, mas não pode deixar uma pessoa morrer na sua frente, numa unidade hospitalar que essa pessoa pagou com impostos ao longo da vida para ser atendida. Porque, aí, deixa de ser uma greve e passa a ser uma omissão criminosa.

O médico que nega socorro a um ser humano, não está agindo de acordo com a insensibilidade do governante. Ele está agindo de acordo com a maior ofensa que se pode fazer à essência da profissão que abraçou, que é a de salvar vidas. Como é que pode, alguém que abraçou esse compromisso, deixar morrer na calçada de um hospital, especializado em cardiologia, uma pessoa que estava sofrendo um infarto! Como é que pode! Até entendo que, mesmo se o socorro fosse feito de forma inadequada e precária, talvez, não o salvasse. Agora, não atender! Não temos emergência!


Notem, isso não tem nada a ver com falta de estrutura, não tem nada a ver com salário baixo, não tem nada a ver com o volume de corrupção e corporativismo no setor, não tem nada a ver com nada disso. Isso tem a ver com problema de caráter, tem a ver com problema de humanidade, tem a ver com o ato individual e pessoal de agir como um ser humano ou não agir como um ser humano. Não temos que ficar achando apenas que é um problema dos políticos o mau tratamento que recebemos dos servidores públicos. Isso é um problema do servidor e das repartições públicas também. Eles têm que nos enxergar como semelhantes e não como uma espécie dependente dos favores deles. Tem que nos enxergar como patrões e não como escória que eles atendem quando bem entendem, quando querem e da forma que querem.

— Ah, mas eu sou um bom servidor público!
— Não me refiro a um caso isolado. É claro que temos incontáveis exemplos de dedicação e vocação ao serviço público. Mas, não é esse o comportamento predominante na educação, na saúde, na segurança, na gestão da burocracia, na Receita Federal e por aí vai.

O corpo do serviço público está impregnado por esse tipo de comportamento e de conduta que a sociedade tem que combater e denunciar. Essa prática, essa forma de agir, esse menosprezo e essa covardia tomou conta do tecido estatal de uma forma que, pra você se deparar com gesto de atenção e de cuidado é algo muito raro. Não podemos aceitar, como um padrão inevitável, essa qualidade de quinta categoria que o Estado brasileiro impõe aos serviços que nos presta, isto é, quando nos presta. Infelizmente, essa é a realidade do serviço público.


Cadê o Conselho Regional de Medicina? Cadê o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro? Cadê esse antro do Ministério da Saúde? Cadê a Associação Médica Brasileira? Cadê as ilustres entidades que ficam discutindo a ética, os direitos e os deveres? Cadê? Cadê as entidades médicas numa hora dessas? Cadê?

Os hospitais públicos no Brasil não foram transformados em lixo apenas por causa da politização, da partidarização, das indicações políticas e da corrupção. Foram transformados em lixo, também, porque o corpo profissional dessas instituições, de alguma maneira, tem parte de culpa nessa história com atitudes como essa, por exemplo.