quarta-feira, 26 de outubro de 2011

DESCASO NA POLÍCIA: Falta de peritos influencia aumento de mortes sem explicação no Rio
R7.com

RIO - Os 3.165 homicídios "sem a causa da morte determinada" no Rio de Janeiro podem ser explicados pela carência de peritos. Atualmente, o Estado tem 30% menos profissionais na área, o que prejudica a carga horária e deixa um alto número de óbitos sem solução. A afirmação é feita pelos próprios peritos e confirmada por especialistas em segurança. Ou seja, nem o legista e nem a polícia determinaram se a morte foi um acidente, um homicídio ou um suicídio.

O estudo Mortes Violentas Não Esclarecidas e Impunidade no Rio de Janeiro, do pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Daniel Cerqueira, mostrou que o Rio registra 27% do total das mortes violentas no país cuja intenção não foi determinada, em 2009. Cerqueira comparou os dados de 2006 com estatísticas de 2007 a 2009, após o início do governo de Sérgio Cabral (PMDB). Ele utilizou as informações do SIM (Sistema de Informação sobre a Mortalidade), do Ministério da Saúde.

O pesquisador aponta um efetivo especializado pequeno para lidar com os casos, além dos diversos problemas na estrutura da segurança pública do Estado. De acordo com a Aperj (Associação de Peritos do Estado do Rio de Janeiro), a lei assegura um número de 500 cargos de peritos legistas (que trabalham com as evidências do corpo), mas apenas 378 estavam ocupados até agosto passado. Para peritos criminais (responsáveis pelas evidências do local do crime), foram preenchidas 334 vagas das 535 estabelecidas.

O inspetor da Polícia Civil e especialista em segurança pública e justiça criminal, Francisco Chao, explica que a falta de um quadro completo de peritos é justificada pelo baixo salário, que provoca a evasão de profissionais. O salário inicial bruto de um perito é R$ 3.052,34.

- Os peritos são capacitados, mas muitos veem a Polícia Civil apenas como um lugar de passagem para a Polícia Federal, por exemplo. O baixo salário também afeta a dedicação exclusiva à investigação. Muitos peritos e policiais trabalham em mais de um emprego para poder pagar as contas no fim do mês.

Em relação ao elevado número de mortes sem explicação, Chao afirma que isso afeta a imagem da Polícia Civil.

- Ao longo do tempo, a população vai construindo uma imagem de que a perícia não consegue resolver os casos. Mas a perícia é capaz sim, como foi no caso da juíza Patrícia Acioli. A diferença é o esforço voltado para cada situação.

Diretor da Aperj, Erlon Reis lembra que um relatório de abril do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) apontou falta de pessoal e de equipamentos e a utilização inadequada de recursos públicos como as causas para um crescente acúmulo de laudos não emitidos. As irregularidades, de acordo com o TCE-RJ, estariam contribuindo para a resolução de somente 11% dos homicídios no Estado.

- Não vi nenhuma mudança na estrutura da perícia do Rio desde o relatório do início do ano. Uma comissão até chegou a ser organizada, mas nada foi concretizado.

Em 2006, o número de mortes indeterminadas era de dez para cada 100 mil habitantes. Em 2009, a estatística passou para 22, o que significa que 3.587 mortes aconteceram sem que se conseguisse esclarecer a intenção. O pesquisador Cerqueira afirma que uma falha crucial para desvendar a causa da morte é a não preservação do local do crime.

- Na maioria das vezes, a própria polícia não mantém o local do crime com as evidências que colaborariam com as investigações. Corpos são levados para hospitais com a desculpa de tentar salvá-los quando já não há mais chance.

Ainda para Cerqueira, a impunidade é a pior consequência da mudança das estatísticas.

- Não sei se a perda da qualidade do trabalho da perícia foi uma questão de inoperância da polícia ou fraude para baixar os números de homicídios. De qualquer maneira, os números altos de mortes “indeterminadas” refletem um problema grave, como 2.797 óbitos, em 2009, em que não se sabe quem morreu de que e com que arma.

O outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança afirmou que a pesquisa contém erros e que não haveriahomicídios ocultos nas estatísticas de mortes “indeterminadas”.

- Não há manipulação dos dados. Não há falência. O que existe são dois bancos de dados distintos com finalidade diferente. A pesquisa do senhor Daniel Cerqueira tem erros básicos.

Uma nota de segunda-feira (21) informava que “os dados do ISP levam em conta todo o procedimento policial e não apenas as declarações de óbito, uma vez que estas podem, inicialmente, serem inconclusivas. Em outras palavras, uma declaração de óbito não indica se a morte foi provocada por crime, o que exige exames complementares periciais”.

O secretário José Mariano Beltrame se reuniu nesta terça-feira (24) com representantes da Secretaria de Saúde, Instituto de Segurança Pública e Departamento de Polícia Técnica do Rio de Janeiro para abrir todos os dados, comparar metodologias e avaliar os números apresentados na pesquisa.